Imagem do poeta pelo artista Aldemir Martins
MANUEL DA CUNHA PEREIRA
( São Paulo – Brasil )
PEREIRA, Manuel da Cunha. Rosa Neutra. São Paulo: Caderno do Clube de Poesia, 1950. 37 p. (Coleção “Novíssimos” Número 6) Inclui o retrato (ilustrado) do autor por Aldemir Martins. 13 x 19 cm.
Ex. bibl. Antonio Miranda, doação do livreiro José Jorge Leite de Brito.
(...) “Manuel da Cunha Pereira é um lírico, a cuja sensibilidade se alia um conhecimento provado da técnica. Seus sonetos são o melhor testemunho desta afirmação. / Sem ser propriamente um revolucionário, um inovador, Cunha Pereira filia-se, porém, com segurança, ao espírito de segurança, ao espírito de pesquisa que anima os poetas brasileiros mais jovens. / A “Rosa Neutra” é bem uma demonstração desse arrojo, para a busca de soluções inéditas, que impõe o seu autor.”
Fragmento de texto extraído da “orelha” do livro.
CANTATA EM DOZE VERSOS E TRÊS TERCETOS
A Henrique Serraglia
Vejo-te pura a fluir
por entre fragas e musgos
de meu peito — pedra e fonte.
Quero conter-te e não posso:
tua fuga começa em mim
alongando-se em desejos
que a terra canta e se perdem.
Entretanto eu te persigo.
E a ânsia de eu te querer
transita, doida parábola,
sobre ti qual arco-íris.
Amada, que mar te atrai
quando estendes no horizonte
teu corpo de água corrente?
Que buscas quando em teu leito
eu me curvo, garimpeiro,
para extrair ouro e sonhos
do talvegue de teus seios?
Amada, doce é o marulho
de tuas pernas fluindo,
como caudal, entre as minhas.
LASSITUDE
Emudece amor
não digas nada.
Este momento
gozemos quedos.
E deixa em teu corpo
exausto de posse
morrer meu olhar
de espasmos, silêncio.
Assim fiquemos,
Deuses se amando
à leve certeza
do tempo ausente.
ESTRELA CONFIDENTE
Amada, é minha aquela
No teu jardim, por noites indormidas.
Meu ser disperso em sonhos-margaridas
Busca teu seio, no inter-sono arfante.
Amada, é minha aquela voz distante,
Que te persegue em horas insofridas.
E há nessa voz mil ânsias diluídas,
Desejos mortos, dor alucinante.
De minha alma sombria de pastor,
Mais do que estrela, foste confidente
e refrigério e bálsamo na dor.
E agora, quando mais te sinto ausente,
Fala-te ainda a voz do meu amor:
Saiba-te embora longe, estás presente.
ECCE HOMO
A Cláudio Gimenez
Em que argila, Senhor, me concebestes?
Que lodo vil tornou tão vil meu ser?
Fera que mata em busca de viver
Que alma é esta, Senhor, que corpo é este?
E estes olhos, Senhor, por que mos deste,
Se indagam sempre e nada podem ver?
E a carne frágil que há-de apodrecer,
Que visavas, Senhor, quando a fizeste?
E estas mãos que tenho, poluídas,
No sangue que verteu meu semelhante
E que num toque fecham mil feridas?
Ah, ser homem, Senhor, ser inconstante!
Tão pronto num momento a tirar vidas
Como a chorar um corpo agonizante.
AMOR
Anda o amor oculto a fecundar
Mil corolas abertas nos jardins.
Hastes nervosas tremem, a bailar
Entre sebes e renques de jasmins.
Uma canção de amor vem da raiz
E vai vibrar nas pétalas que bolem.
Só a corola entende o que ela diz,
Ao fechar-se em espasmos sobre o pólem.
Há colóquios à sombra ciciados.
Há intenções de amor na selva quente,
Adensada nos caules matizados.
E aqui longe, tão longe, mal se sente
Que há rumores subindo indecifrados
Do terminar longínquo da semente.
*
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Página ampliada e republicada em fevereiro de 2022
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